“Repouso, quietação e lazer” são alguns significados positivos da palavra “ócio” que estão sob a influência da bondade (satva); enquanto outros, como “preguiça, indolência, moleza”, são certamente negativos e inspirados pela obscuridade (tamas).
Estes diferentes significados se embolam de tal maneira que, dependendo do contexto, pessoas moles e indolentes são tidas como estando “na bondade”, enquanto outras, quietas e em repouso, interpretadas como estando “na ignorância” etc.
De qualquer modo, a palavra ócio tem seu lado bastante nobre – pelo menos em sua origem no latim –, pois significa “o tempo ocupado com coisas que realmente importam”.
Por outro lado, a palavra “negócio”, que vem também do latim negotium, serve para indicar “as ocupações com coisas que negam o valor da vida”, o que comumente chamamos como “trabalhos fruitivos”. Ócio é, portanto, o tempo gasto na autorrealização espiritual, o tempo precioso em que podemos ficar efetivamente por conta de nós mesmos.
Por isso, entre os gregos e os romanos, o ócio era colocado na parte superior da escala de valores, o que nos leva a deduzir que um verdadeiro espiritualista deve ser adepto ao ócio, ou seja, de uma vida espiritualmente contemplativa, voltada para reflexão – prática esta sob a influência da bondade, que ajuda o indivíduo a reduzir os riscos da vida espiritual.
No início deste texto citamos “lazer” como uma das traduções de ócio. Pois bem, esta tradução nos remete à Gītā, quando Kṛṣṇa explica que se pode controlar a mente “regulando o comer, o dormir, o trabalhar e o recrear (vihara)”.
“Assim”, acrescenta o Senhor, “pode-se mitigar as dores da existência material” (6.17). Este conceito de equilibrar o trabalho com o lazer apresentado por Kṛṣṇa combina totalmente com o conceito de ócio positivo. Não há como negar que as pausas são momentos ativos e que precisamos delas para nos revigorar, para nos descontrair, para respirar melhor. Quanto a isso, podemos citar a música como bom exemplo: ela tem compasso, cresce, diminui, abre espaços para o improviso e também tem suas pausas, as quais não devem ser entendidas meramente como ausência de som, mas como um elemento genuinamente criativo, que permite a respiração rítmica da música.
Para não falar do nosso corpo que faz pausa entre o inspirar e o expirar, os universos também têm seu ritmo. Depois de serem criados, mantidos e aniquilados há uma pausa na engrenagem cósmica e eles se tornam imanifestos por um período. A ideia é que a pausa é absolutamente natural e sagrada e, por isso, o ciclo dos dias e das noites tem orientado as pessoas tanto ao longo dos milênios quanto no dia a dia.
Temos uma necessidade vital de interrompermos nossas atividades e de tomarmos fôlego para, assim, restaurar nossas forças, acalmarmos a mente e desfrutarmos mais do tempo, o que nos dá plena disposição para gerar novas forças e reiniciarmos novas atividades. Portanto, no contexto da condição humana, trabalho e folga se completam e um ajuda a recompor o outro.
Antes que alguém pergunte, é claro que eu concordo com a importância de se fazer algo prático e produtivo, mas o dia não tem 24 horas? Ou seja, se formos organizados, há tempo de sobra para, diariamente, deixar que o ócio faça parte de nossa vida. Este tempo é o nosso sādhana, nossas práticas devocionais, que é o que realmente importa.
Não tenho medo de confessar: às vezes, pratico o canto do mahā-mantra sem exercer a menor pressão sobre mim, sem tentar obstinadamente ouvir cada sílaba do mantra, sem tentar não pensar em nada. E o interessante nisso é que sinto que, em certos momentos, isso me faz muito bem.
Cantar caminhando na beira da praia e se deliciando com a sensação agradável que a água produz no contato com o corpo é um tipo de ócio que me faz muito bem, assim como me sentar numa varanda quieta e esquecer o relógio e mergulhar numa boa leitura (talvez seja mais ou menos isso que Kṛṣṇa quer dizer com “inação na ação”).
Esse tempo transcendentalmente ocioso, gasto com boas leituras e com o canto dos santos nomes, leva-nos a ponderar e rever conceitos. Portanto, esse tempo é sagrado e nunca deve ser visto como perdido, pois de que nos adiantaria caminhar rapidamente, mas pelo caminho errado?