O que não tem nada a ver com “entrega espiritual”

O QUE NÃO TEM NADA A VER COM “ENTREGA ESPIRITUAL”

Não é fácil falar sobre entrega espiritual sem ser mal compreendido…

Negligenciar os afazeres práticos da assim chamada vida material, se tornar apático diante das dores ou dos infortúnios, aceitar tudo como fatalidade inevitável, praticar algum tipo de escapismo ascético e exteriorizar artificialmente rigidez moral e caráter austero são coisas que não têm nada a ver com entrega espiritual. Ao contrário do que se pensa, a última coisa que uma pessoa que está no caminho da entrega espiritual faria é viver no mundo da lua, se tornar impassível e indolente em face dos assuntos da vida cotidiana.

Embora alguns elementos que acabamos de citar possam contribuir direta ou indiretamente na trajetória espiritual de certos indivíduos, acreditamos que o que realmente define a entrega espiritual é, acima de tudo, o sentido espiritual que o indivíduo imprime à sua existência, a maneira que ele encara sua vida em toda a sua PLENITUDE REAL e não apenas num ASPECTO FRAGMENTÁRIO INCOMPLETO. Ou seja, quem está verdadeiramente entregue espiritualmente vê sua vida terrestre atual como uma ponte para seu além-vida, e não de forma isolada e desconectada do seu destino futuro. Ele não conta com uma vida atual de colheita plena e abundante, mas investe para que sua vida seja uma preparação para que, ao final dela, ele tenha se tornado uma “boa semente”. É isto que o deixa totalmente consolado. Portanto, tudo o que ele pensa e faz é bem-pensado e bem-feito. Quanto a isso, vale ressaltar as palavras de Blaise Pascal, “Que é o ser humano na natureza? Um nada diante do infinito, e um tudo diante do nada; um elo entre o nada e o tudo, mas incapaz de ver o nada de onde veio e o infinito para onde vai”. O ser humano é um projeto infinito da criação de Deus. E somente se harmonizando com o infinito de Deus encontrará sentido para sua existência e, consequentemente, poderá sentir verdadeira paz e felicidade.

Sabemos que, quando vista isoladamente, uma mera pedrinha de um belo mosaico não revela beleza ou sentido qualquer. Somente quando se integra ao conjunto completo de formas e cores é que ela cumpre com sua função alegórica e dá sua contribuição harmoniosa. De forma semelhante, por não estar integrado ao Todo Maior, a existência do homem fragmentado parece absurda e sem sentido. É isso que queremos dizer com “encarar a vida em toda a sua plenitude real e não apenas em um aspecto fragmentário incompleto”. Essa é a ideia que queremos passar com a expressão, “entrega espiritual”.

Para refletirmos sobre isso, não conhecemos melhor exemplo do que a metamorfose sofrida pela lagarta, antes de se tornar uma maravilhosa borboleta. Ora, se a lagarta se baseasse apenas na sua vida provisória, fragmentária, incompleta, ignorando a sua fase final e plena como borboleta alada, não conseguiria ver sentido algum em passar o dia todo comendo. Por que acumular tanta matéria-prima num tubo digestivo? E, mesmo na sua fase seguinte como crisálida, as coisas ainda não melhoram. Qual é a graça em viver encarcerada num casulo de fiozinhos? De fato, tanto a existência de lagarta – com sua forma corpórea esquisita –, quanto sua existência na fase seguinte – em que ela se encontra amortalhada no silencioso ataúde de crisálida –, só fazem sentido ao considerarmos sua existência futura, quando, ao ganhar asas, obterá um maravilhoso corpo de borboleta!

Semelhantemente, a atual vida terrestre do homem nada mais é do que uma experiência transitória, assim como a fase da lagarta é provisória para a borboleta de amanhã. Portanto, quando toma sua vida separada da sua existência total e abandona sua espiritualidade inerente, o homem não encontra explicações para grande parte de suas experiências atuais; sobretudo para as que produzem dor. É, portanto, devido ao caráter absurdo e paradoxal das experiências de sofrimento que ele se perde frequentemente. De fato, sem compreender suas fases como “lagarta” ou “crisálida”, ele fatalmente irá se revoltar, pois não conseguirá admitir que, às vezes, um pouco de sofrimento é mais do que necessário, é altamente positivo! Caso contrário, como irá se fortalecer e obter as condições necessárias para o surgimento de suas “belas asas”?

Por outro lado, o homem que se vê como parte integrante de um Todo maior e encara sua vida em toda a plenitude, desenvolve uma compreensão serena e real desse mundo e consegue lidar muito bem com as inevitáveis dualidades, já que consegue ver propósitos positivos inclusive nas experiências desagradáveis da vida. Sempre atento, ele sabe que o conjunto de experiências terrenas são verdadeiros prelúdios de uma existência futura de plenitude e reconhece que, quando compreendidos dentro de um contexto maior, os assim chamados sofrimentos são meramente exercícios que visam conduzi-lo à glória e à felicidade permanentes. (C. Swami)

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