Tapas, o pilar da austeridade

A palavra dharma é bastante interessante. É mais uma das muitas palavras do sânscrito que não é possível traduzir por outra palavra de alguma língua moderna, como, por exemplo, o português. Dependendo do contexto, seu significado pode assumir características ligeiramente próprias, tais como, “dever”, “natureza”, “qualidade”, “ética”, “religião” etc. De qualquer modo, o dharma está sempre ligado, direta ou indiretamente, às práticas espirituais, ao comportamento e ao cumprimento dos verdadeiros propósitos da vida humana. Com isso em mente, iremos discutir o que podemos chamar de quatro pilares do dharma, ou simplesmente, “Pilares do Yoga”; a saber, 1. Austeridade, 2. Veracidade, 3. Pureza e 4. Compaixão.

Na verdade, a sabedoria védica argumenta que todo processo espiritual verdadeiro deverá levar em conta a construção desses quatro pilares, sem os quais nenhum ser humano fará verdadeiro progresso. Enfim, neste primeiro artigo, discutiremos a importância de tapas, “austeridade”, uma prática absolutamente essencial para a autopurificação.

Sendo uma centelha infinitesimal da Divindade, o Eu verdadeiro é puro e imaculado por si só. Suas impurezas são simplesmente o fruto do mau uso do seu livre-arbítrio; isto é, os problemas enfrentados pelo indivíduo neste mundo se devem unicamente à forma equivocada com que ele interage com a energia material. Em outras palavras, ao desejar se assenhorear excessivamente da matéria e exagerar na sua atitude de controle e desfrute mundano, ela se depara com ansiedade e frustração constantes. Com isso, ele desperdiça a sua privilegiada condição de vida humana, que é própria para a autorrealização. Ou seja, em vez de fazer com que seus sentidos (visão, tato, paladar, audição e olfato) sejam seus mais importantes aliados no cumprimento da meta da vida e, assim, colaborem para que ele perceba a presença do Absoluto em todas as coisas, ele passa a utilizar seus sentidos para o gozo mundano e se desconecta com Ele. Agindo então na plataforma sensorial, ele se nivela aos seres animais, que, reféns dos seus instintos, são incapazes de praticar algum processo místico como o yoga.

Segundo a literatura védica, um indivíduo nessa condição (preso à gratificação dos sentidos) precisa se submeter à purificação através de tapas, austeridade. Isso é imprescindível para que seus sentidos sejam reeducados e passem a colaborar com a busca do autoconhecimento e da autorrealização. Em outras palavras, é a prática da austeridade que diferencia os seres humanos dos animais, os quais são incapazes de entender sua natureza espiritual eterna além do corpo físico. O ser humano progressista equipado com tal entendimento, no entanto, aceitará voluntariamente retirar seus sentidos dos objetos ou situações que possam prejudicar suas práticas espirituais. Em suma, a austeridade se presta para libertar o praticante das suas tendências egoístas, conectá-lo com o Absoluto e fazer com que ele passe a agir para a Sua satisfação.

Ao estudarmos os três principais caminhos do yoga, a saber, karma-yoga, jñāna-yoga e bhakti-yoga, podemos ver que todos dão ênfase na austeridade. Sem essa prática natural, a vida humana se torna arriscada. De fato, a mente de quem não é austero não vacila em impeli-lo a executar atividades insensatas que, no final das contas, servirão unicamente para mantê-lo cada vez mais enredado às estritas leis do karma.

No começo do Capítulo Seis da Gītā, Krishna define yoga como sannyāsa, “renúncia ao gozo dos sentidos”. Ele explica que a conexão com o Supremo simplesmente não pode ocorrer para aquele que se entrega a vida sensual. Basta considerar o verdadeiro significado da palavra yoga, “ligação com o Absoluto”, para se entender a importância de retirar os sentidos daquilo que impede alguém de estabelecer sua conexão com o divino. Entretanto, a meta da vida não não é se abdicar da busca por prazer e se contentar com uma vida de privações e sofrimentos. A verdadeira meta da vida é alcançar plena bem-aventurança. Só que, para tal, a pessoa precisa se libertar do gozo dos sentidos e, então, ocupá-los em atividades divinas, capazes de ajudá-la a estabelecer uma conexão devocional com o Absoluto, que é a própria fonte inesgotável de verdadeiro prazer! Através desse pequeno ajuste, certamente obtém-se gradualmente o maior de todos os resultados, a autossatisfação e a paz interior.

Para concluir esse ponto, nada melhor do que nos lembrarmos que as escrituras de diferentes segmentos espirituais concordam que o mais sublime método de austeridade é o cantar dos santos nomes Deus – sejam eles quais forem. Enfim, ao invocar amorosamente a Divindade através do canto, a pessoa atrai para si a Sua proteção e misericórdia. Com isso, fica mais fácil alcançar o sucesso no mais complexo dos empreendimentos, que é conquistar a mente e torná-la a melhor amiga e mais importante aliada.

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